O movimento feminista é um só? Quando me deparei com a resistência para entrar em certos espaços profissionais por ser mulher, eu recorri ao feminismo. Nessa época eu achava que era só uma coisa, eu era feminista, e ponto final. Até entender a diversidade que existe no movimento demorou um tempo. E a diversidade é visceral. É possível que uma mulher negra não consiga discutir sua experiência com racismo se ali na sala estiver seu principal opressor - o branco. Mesmo que o branco seja uma mulher. Hoje eu entendo que os feminismos aparecem em três camadas. Temos a vida real, o ativismo e a produção acadêmica.
Semana passada eu finalizei um curso de teorias feministas contemporâneas. Nós passamos por 4 grandes temas: Feminismos negros, decoloniais, queer e marxistas. Que mundo! Foi minha primeira passagem pela produção acadêmica de forma organizada, e minhas companheiras de jornada eram mulheres que tinham trabalhos teóricos dentro de vertentes feministas. Eu sou das biociências exatas. Entrei nos feminismos por sobrevivência. Descobrir a quantidade de ramificações e ideias contrárias e agregadoras à minha experiência foi muito nutritivo pra mente.
Semana passada eu finalizei um curso de teorias feministas contemporâneas. Nós passamos por 4 grandes temas: Feminismos negros, decoloniais, queer e marxistas. Que mundo! Foi minha primeira passagem pela produção acadêmica de forma organizada, e minhas companheiras de jornada eram mulheres que tinham trabalhos teóricos dentro de vertentes feministas. Eu sou das biociências exatas. Entrei nos feminismos por sobrevivência. Descobrir a quantidade de ramificações e ideias contrárias e agregadoras à minha experiência foi muito nutritivo pra mente.
Lemos Lélia Gonzalez e Patricia Hill Collins, e eu descobri que existe o termo “mulherismo” pra pensar em feminismos negros. “ah gente, pra quê outro nome!?” O feminismo é conhecido por ter acontecido em ondas. Uma “onda” feminista é considerada um momento histórico relevante de militância e produção acadêmica, onde pautas e questões específicas dominaram o debate. A primeira onda foi sobre o sufrágio, o voto feminino. A segunda onda foi sobre o mercado de trabalho, e a abordagem da origem da opressão, com a ideia de que o pessoal é político. A terceira onda vem trazendo com mais força a interseccionalidade e pós-modernidade. Lendo Lélia e Patricia aprendi que essas ondas não fazem sentido porque a articulação de mulheres negras contra a escravidão foi fortíssima e muito anterior a primeira onda. As tentativas de organização didática do movimento acaba sendo sim, excludente. E é por isso que algumas mulheres sentem vontade de usar outro termo, o Mulherismo, para ser um movimento de mulheres que pensam em cor. Com a Patricia, aprendi o poder do blues na luta dessas mulheres que além de tudo, respingaram talento a cada passo que deram. Essa playlist tem alguns dos blues mais emblemáticos da nossa causa.
Já com a Gloria Anzaldúa e Françoise Vergès eu aprendi que não dá pra falar de feminismos sem pensar em decolonização. Essa associação de posse patriarcal, tanto de territórios quanto de corpos, é indissociável. Aqui no Brasil, a herança colonial ainda percorre as entranhas. Temos casas com “dependência de empregada”, temos a profissão “porteiro”, tipicamente referida a uma pessoa que abre a porta para que os patrões passem. Feministas decoloniais carregam em si a ideia cruel que é pensar na sororidade feminina sem pensar nas nossas diferenças, constantemente invisibilizando mulheres de cor. Nos feminismos decoloniais, existe um convite para pensar sobre o feminismo civilizatório, que espreme experiências femininas em padrões tão inadequados. Acabamos achando que discutir teto de vidro ou liderança feminina é o que mais importa. Durante o curso, assistimos ao poema musicado de Victoria Santa Cruz, “Gritaram-me negra”. Recomendo.
Nos feminismos queer, lemos deuses da desconstrução de gênero, Judith Butler e Paul B. Preciado. Aqui entra a ideia da performance. Quando nascemos alguém diz “é menina” e a partir de lá nossas vivências são moldadas pela cartilha do que é ser menina. Quando fugimos de qualquer um dos critérios estabelecidos, somos duramente punidas. Então o padrão é performativo. Ato 1, cena 1: Fure a orelha dessa neném. Ato 1, cena 2: só use cor-de-rosa e vestidinhos. Ato 2, cena 1: Sente com as pernas fechadas. Quem aqui não conhece essa peça? Mas eles vão para muito além da performance, os feminismos queer propõem a total destruição dos gêneros e as instituições que propagam essa ideia, como o casamento. Aqui aquelas três camadas de feminismos entram em cena: corpos queer já existem, é a vida real. Produção acadêmica também. E pra mim fica a reflexão: como posso incorporar essas ideias ao meu ativismo de forma a agregar, e não a agredir? (Incluindo agressões a mim mesma).
Por fim, Nancy Fraser e Silvia Federici foram as representantes dos feminismos marxistas. Gravei em mim que o sucesso em mudar a cultura do feminismo é real, mas mudar as instituições não. Por exemplo, as empresas aceitaram que não faz sentido que mulheres e homens ganhem salários discrepantes e nem que assédio é permitido no ambiente de trabalho. Apesar disso, sabemos que essas práticas continuam firmes e fortes. O mesmo vale para participação política de mulheres, em que a prática de “mulheres laranja” é difundida. Estamos também numa crise do cuidado, onde o trabalho reprodutivo não encontrou creche nem escolas durante a pandemia, e as mães encontraram maior carga de trabalho produtivo nos trabalhos remotos. Me tocou muito a percepção que nós perdemos muito dos bens comuns. Antes compartilhávamos mais. Cuidado reprodutivo era tarefa de uma comunidade. Plantar e colher era tarefa de uma comunidade. Hoje mal conseguimos uma praça pública nas cidades pra compartilhar espaço, imagine outros tipos de tarefas.
O isolamento pandêmico escancarou o isolamento (re)produtivo em que nosso sistema nos colocou. No meio de tanta privação, privado, comprado, “meu”, como florescer nossa união?
(Finalizo pensando junto com você).
Viviane Nogueira
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
Crédito da Imagem: Fine Art America
Referências
- Curso Teorias Feministas Contemporâneas da Profa. Beatriz Rodrigues Sanchez, de dezembro de 2021
- COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: o poder da autodefinição. In: Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Seminário Maria de Lourdes Nascimento, São Paulo: CEBRAP, 2013.
- GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. In: Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Org. Flavia Rios e Márcia Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
- ANZALDÚA, Gloria. La conciencia de la mestiza: rumo a uma nova consciência. Revista Estudos Feministas, vol.3 n. 3, 2005, p. 704-719.
- VERGÈS, Françoise. Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
- PRECIADO, Paul B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, vol. 19, n. 1, 2011, p. 11-20.
- BUTLER, Judith. Os atos performativos e a constituição do gênero: um ensaio sobre fenomenologia e teoria feminista. Caderno de Leituras, Chão da Feira, n.78, 2018.
- FRASER, Nancy. O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história. Revista Mediações, Londrina, vol. 14, n. 2, p. 11-33, 2009.
- FEDERICI, Silvia. O feminismo e a política dos comuns. In: Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Org. Heloisa Buarque de Hollanda. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.