“Sororidade: União e força entre as mulheres, para alcançar um objetivo em comum, sem que haja julgamento entre elas.”
Lembro com clareza quando esse conceito me atravessou pela primeira vez.
Iniciante no feminismo, eu estava na fase da raiva. Raiva ao ouvir um comentário machista. Raiva a cada percepção de comportamento machista na família. Raiva na ressignificação de uma experiência passada, de quando eu não entendia que naquela situação havia machismo. Raiva da minha ignorância, por ter me colocado em posições tão nocivas no passado.
Nessa época, me deparei com a ideia “empodere duas mulheres ao invés de explicar feminismo pra um homem”. Havia, em sua base, sororidade. Estava pedindo pra gente segurar a mão uma da outra. Eu nunca manifestei meu feminismo excluindo os homens, mas levei com muita força a ideia de empoderar mulheres ao meu redor. Converti aquela raiva da descoberta do feminismo em energia para palestrar, para entrar em rodas de conversa… Foi muito intenso e profundo enquanto durou, mas cansei.
Cansei de ser o que a bell hooks brilhantemente descreveu em seus livros como o “informante nativo”. Esse informante, segundo bell, é o único asiático numa aula de literatura quando um livro da Ásia está sendo discutido. Aquele grupo de pessoas, que não pertence à cultura asiática, tende a recorrer ao informante nativo para confirmar determinadas hipóteses vindas do livro. É justo que uma única pessoa responda sobre a cultura de um continente inteiro?
Traduzindo pro meu mundo, eu precisei me posicionar com frequência no meu ambiente de trabalho. Virei a feminista do rolê. Quando os caras faziam algum tipo de piada que eles identificavam como machista, ninguém ria antes de me olhar e checar se eu estava ou não rindo. Como havia poucas (ou nenhuma) mulheres por perto, eu acabava sendo a informante nativa deles.
Quando a raiva apaziguou, a vontade de enfrentar machismos cotidianos também se foi junto. Minha energia feminista foi redirecionada, e com isso aconteceu um movimento forte pró-sororidade. Academicamente, eu percebi que não queria mais ser orientada por homens e mudei pra uma orientadora mulher. (Isso mudou minha vida. Mulheres acadêmicas que estão me lendo, eu indico! :D). Percebi que era muito bom priorizar discutir ciência com outras mulheres. Formar equipes de trabalho com mulheres. Indicar mulheres para vagas, para prêmios.
Esse ano indiquei uma amiga que conheci 10 anos atrás num curso de inverno da USP. O prêmio era para mulheres trabalhando com ciência num país específico. Quando ela ganhou, me disse que não teria aplicado se eu não tivesse enviado a chamada pra ela. Naquele dia, uma mulher foi reconhecida pelo seu valor, com uma ajuda tão pequena minha, mas tão significativa para todas nós!
Eu entendo que não mudamos a chavinha do modo “rivalidade e disputa feminina” do NADA para uma rede viva de apoio mútuo. E por isso é importante lembrar que essa cultura de competição vem de muito tempo atrás, nem sei se é rastreável. Mas, aparentemente tem raízes em meados do século XIV, quando as mulheres iam ao baile para disputar um príncipe. São séculos em que nossas sexualidades foram subjugadas, nossas existências associadas ao casamento perfeito. E essa herança de disputa é que continua movendo, em parte, o machismo. Afinal, machismo necessita da nossa desunião.
Outra visão essencial da sororidade é que nós não somos iguais. Podemos sim, aprender a olhar para outra mulher com outra postura, mais empática, saudável e atenta. Nosso denominador em comum nos une, nos fortalece e nos torna imparáveis! Mas precisamos considerar as interseccionalidades, e perceber que a opressão nunca foi e nunca será igual para quem sofre racismo, lgbt(qia+)fobia… Não impede a união, mas requer de nós a atenção à nossa diversidade.
No meu mundo, a oportunidade de trabalhar com mulheres é transformadora a cada dia. O que eu ganho de escuta, de empoderamento! Nossa! Me sinto mais forte e mais representada. Tenho muita segurança em me mostrar vulnerável. Quando a gente respeita a importância das singularidades, vamos longe.
Ciente de que a sororidade vai se transformando em mim com o passar do tempo, sigo atenta ao feminismo que me serve, acalenta e recompõe. Sigo desejando que cada mulher encontre isso dentro de si. E, em especial, espero que cada vez mais possamos educar nossas filhas, sobrinhas, alunas ou vizinhas para viver num mundo sem essa competição que nunca nos agregou.
“me levanto
sobre o sacrifício
de um milhão de mulheres que vieram antes
e penso
o que é que eu faço
para tornar essa montanha mais alta
para que as mulheres que vierem depois de mim
possam ver além
– legado”
Rupi Kaur
Viviane Nogueira
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
Crédito da Imagem: Portal Catarinas