A maior presença masculina nas áreas STEM*, tanto no campo científico como no profissional, pode contribuir para a construção e reprodução de alguns estereótipos que precisam de avaliação crítica e atenta. Um deles é a suposição de que homens são melhores que mulheres em Matemática. Provavelmente, você já deve ter escutado isso em diferentes contextos, talvez desde a infância, durante a vida escolar. Mas a verdade é que não existem evidências científicas que expliquem essa suposta maior facilidade dos homens na Matemática.
Os autores Júlio-Costa, Lima e Haase (2015), no livro “Caçadores de neuromitos: o que você sabe sobre o seu cérebro é verdade?”, reuniram uma série de pesquisas com esse tema, feitas ao longo das últimas décadas. Uma delas é uma metanálise sobre gênero e desempenho acadêmico que analisou dados de diversos países (como Estados Unidos e Canadá) e revelou que não há motivos para acreditarmos que meninos são melhores que meninas. Outra pesquisa propõe que a disparidade entre homens e mulheres não é inerente ao sexo e deve ser compreendida a partir de fatores socioculturais (por exemplo, o fato de meninos e meninas costumarem ter acesso a universos sociais e culturais diferentes, desde o tipo de brinquedo que é atribuído como feminino ou masculino, como já discutimos aqui no blog anteriormente). Outro estudo, desenvolvido pela professora Elizabeth S. Spelke da Universidade de Harvard, apresentou que não há evidências sobre desenvolvimento cognitivo que sustentem a ideia de um suposto maior talento dos homens, tendo em vista que as bases biológicas das capacidades cognitivas são compartilhadas entre os sexos. Ou seja, homens e mulheres têm a mesma capacidade de aprendizagem de conceitos matemáticos complexos.
A professora discute que, na tenra idade e ao longo da infância, ambos os sexos apresentam habilidades semelhantes de representação e aprendizagem de objetos números, linguagem e espaço. E que, apesar de, em alguns testes específicos, meninos apresentarem melhor desempenho matemático, o rendimento dos dois gêneros em disciplinas avançadas da Matemática no Ensino Médio e Superior é equivalente. Ou seja: homens e mulheres têm a mesma capacidade de aprendizagem matemática.
Porém, apesar de essa ideia não ter nenhuma sustentação científica, a sua reprodução tem influência direta no desempenho acadêmico de homens e mulheres - até porque, muitas vezes, ela é reproduzida como se fosse verdade já dentre crianças em idade escolar. E, para além do desempenho acadêmico, ela também está associada a um cenário bem maior, de disparidades na empregabilidade e nos níveis salariais entre homens e mulheres. Agora que constatamos que é um mito, precisamos combatê-lo. Mitos, mais do que nunca, precisam ser derrubados!
*STEM: do inglês, Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática
Allana Carvalho
Psicóloga e mestra em Psicologia
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
Crédito da Imagem: Rudy and Peter Skitterians por Pixabay
Referências
JÚLIO-COSTA, Annelise; LIMA, Barbra Angélica Cunha Rio; HAASE, Vitor Geraldi. Meninos são melhores em Matemática! Você está certo disso? In: EKUNI, Roberta; ZEGGIO, Larissa; BUENO, Orlando Francisco Amodeo (org.). Caçadores de neuromitos: o que você sabe sobre o seu cérebro é verdade?. São Paulo: Memnon, 2015.