Você sabe o que sua profissão tem a ver com suas brincadeiras na infância?

Postado por Viviane Nogueira em 28 de julho de 2021





Quando nasci já havia um espaço todo adequado pra mim. O nascer me colocou em contato com o mundo das meninas. Furo na orelha, vestidos, lacinhos. Isso tudo para que eu fosse devidamente reconhecida como uma garota. Na infância, meu pai fez uma casinha em que eu cabia dentro. Ela ficou repleta de utensílios de cozinha e bonecas. Vendo fotos dessa época, fico perplexa com a capacidade da indústria em criar os 50 tons de rosa para brinquedos de menina.

Hoje temos movimentos de roupas sem gênero definido e também do brincar livre. Mas, será que as pessoas dão atenção a esses movimentos como dão aos chás-revelação? Azul é menino e rosa é menina. Quando passo por uma loja de brinquedos percebo que essa segregação continua igualzinha àquela nas minhas fotos de criança.

Nem sempre eu estive atenta aos estereótipos de gênero. 6 anos atrás comecei a trabalhar num instituto de análises de dados onde mulheres eram raras. Ouvi de um colega de trabalho que mulheres não se interessam por coisas lógicas como os homens. Ali tive um despertar: Precisava aprender mais sobre essa suposta falta de interesse feminina.

Meninas querem ser enfermeiras, estilistas ou professoras quando crescerem. Naturalmente existem exceções, mas se perguntadas com o que querem trabalhar quando forem adultas, a maioria das garotas escolhe profissões estereotipadas - geralmente relacionadas ao cuidado ou à beleza. Mas, e se elas fossem meninos? A ONG Liga da Educação investigou isso com crianças de Madri. Muitas mudaram sua resposta inicial. Se fossem meninos, elas seriam astronautas ou policiais. "Os meninos gostam mais da lua", foi uma das justificativas.

Eu fiz um teste: Digitei "brinquedos de meninos" no Google. Apareceu bancada de ferramentas, kit de astronomia e vários brinquedos de transporte - daqueles com pistas para montar. Já na pesquisa "brinquedos de meninas", tive como resultado fogão com utensílios domésticos, kit de cuidados com cabelo, e bonecas para maquiar - tudo isso em 50 tons de rosa. Hum… E será que isso faz alguma diferença nas nossas vidas?

Os interesses e percepções de crianças são influenciados por estereótipos de gênero a partir dos 6 anos, demonstrou um estudo publicado na Science. Especificamente, meninas de 6 anos têm menos probabilidade do que os meninos de acreditar que pessoas do mesmo sexo que o seu sejam "muito, muito inteligentes". Também aos 6 anos, as meninas começam a evitar atividades que dizem ser para crianças que são "muito, muito inteligentes". O mesmo não é realidade para os meninos. Essas descobertas sugerem que as noções de capacidade intelectual por gênero são adquiridas cedo e têm um efeito imediato sobre os interesses das crianças. A partir dessa idade, a gente vai consolidando nossos interesses que acabam culminando em escolhas profissionais.

Eu cresci brincando de casinha, mas amava ler. Ficava triste quando ganhava boneca e pedia pras minhas tias me presentearem com livros. Meu pai me deu um kit de cientista que tinha sido dele durante a infância. Na época em que precisei definir minha profissão, eu demorei pra entender que podia seguir uma área fora do cuidar. Mas consegui. Essa autonomia de escolha, infelizmente, não é uma realidade para todos.

52% da população brasileira são mulheres, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio). No entanto, 15% das matrículas nos cursos de tecnologia são feitas por mulheres. Já no primeiro ano de faculdade, 8 de cada 10 mulheres desistem de seguir nos cursos de tecnologia (PNAD). Como se já não bastasse essa quantidade ínfima de mulheres na área, cerca de 41% delas desistem de suas carreiras, contra apenas 17% dos homens, segundo uma pesquisa da Harvard Business Review. Já na enfermagem, 85% dos cargos são ocupados por mulheres. É fácil notar a relação entre o que geralmente se brinca na infância e as proporções de sexo nas profissões.

Como quebrei o estereótipo de gênero profissional, frequentemente preciso de informação, posicionamento e inspiração para continuar. Nosso blog Mulheres na STEM é um espaço dedicado para essa troca.

E pra sua história de vida, me conta: sua profissão sofreu influência das suas brincadeiras de infância?

Viviane Nogueira
Biotecnologista e doutoranda

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.
Sou uma mulher cis branca classe média.
Não consegui incluir questões raciais,
de classe, ou de transexualidade aqui.
Interseccionalidades serão abordadas
por convidades do blog)

Crédito da Imagem: Javier Hirschfeld/Getty Images via BBC

Referências

  1. Os estereótipos de gênero afetam o que as meninas e os meninos escolhem como profissão no futuro
  2. Gender stereotypes about intellectual ability emerge early and influence children’s interests (Science)
  3. Apenas 17% dos programadores brasileiros são mulheres
  4. Pesquisa inédita traça perfil da enfermagem no Brasil