Uma trilogia sobre a representatividade

Postado por Monica Pereira em 27 de setembro de 2021




Parte 1: a ausência

"...Eu nunca conheci ninguém parecida comigo que foi..."

Foi mais ou menos com essas palavras que, durante meu mestrado, respondi para o meu orientador o porquê de achar que não gostaria de ir estudar na França, como ele foi (a época, não entendia bem porque isto seria um motivo, mas sabia que não me sentia bem ao me imaginar indo sozinha estudar na Europa). Essa conversa aconteceu há quase 15 anos atrás. E é assim que eu me lembro de ter passado toda minha graduação e pós-graduação. Não vendo ninguém parecida comigo nos espaços que eu ocupei. Todas as minhas referências profissionais, mesmo as locais, eram formadas, em sua grande maioria, por homens brancos e algumas poucas mulheres brancas.

A falta de representatividade feminina nos cursos e carreiras STEM é uma realidade até hoje. No Brasil, as mulheres representam quase 52% da população, mas apenas em torno de 19% de mulheres atuam em cargos de tecnologia [1]. E se fizermos o recorte para mulheres negras, esse número fica ainda mais tímido. Pesquisas como #QuemCodaBR da PretaLab [2] apontam que somente 36,9% de profissionais do setor de tecnologia são pretes ou pardes e destes, apenas 31% são mulheres.

Parte 2: a busca

Inconformada com a falta de representatividade, comecei a procurar por conta própria. Todas as vezes que encontrava alguma pesquisadora como coautora dos artigos de referência que eu estudava, mergulhava na busca pela trajetória delas. Não para minha surpresa, eram em sua maioria da Europa. Mas eu não desisti. Passei anos procurando nomes no Brasil e fora dele. Encontrei nomes como Ada Lovelace, Hedy Lamarr, Marília Chaves Peixoto, Marie Curie, Enedina Marques, Katherine Johnson, Valerie Thomas, Margaret Hamilton, Rosalind Franklin, e várias outras. Mulheres que a história contada do ponto de vista do patriarcado se encarregou de ocultar e de impedir que pudessem ocupar lugares de destaque na pesquisa e na inovação.

Muito já se sabe hoje em dia sobre a importância da representatividade. Primeiro porque as pessoas se inspiram em outras para construir os seus modelos subjetivos de ascensão. Assim, ao ver pessoas parecidas conosco nos espaços de poder, permite que também possamos nos enxergar ocupando esses espaços [3]. Em segundo lugar, a representatividade não deve ser apenas de um indivíduo do grupo, mas como forma de espelharmos a demografia de nossa sociedade nos espaços de poder que frequentamos. Por isso, devemos nos preocupar não apenas em termos pessoas de diferentes grupos demográficos, mas de garantir a proporcionalidade dessa representação [4].

Parte 3: a revolução

Felizmente, hoje temos exemplos para nos inspirar. Mulheres do nosso passado cuja contribuição ficou oculta e o protagonismo havia sido roubado estão tendo suas histórias contadas. Mulheres do nosso presente que alcançaram os espaços de poder, como Luiza Trajano e Kamala Harris, conscientes do quanto representam e da importância de suas trajetórias para empoderar outras mulheres, estão priorizando ações de inclusão.

E quanto a mim, eu insisti e persisti na minha trajetória. Segui na área acadêmica, fiz doutorado no RS com um período na Alemanha (como imaginei anos antes, não conheci ninguém que pudesse me identificar). Consegui elaborar o motivo da minha resistência durante o mestrado: a falta de representatividade criou em mim um sentimento de não pertencimento. Retornei para Natal e, consciente da minha própria representação, decidi dar a minha contribuição na construção desse espaço diverso e plural. Me rodeei de mulheres incríveis e inspiradoras que, assim como eu, se sentiram sozinhas e pouco representadas.

Foi assim que em 2019 participei de um evento chamado Grace Hopper Celebration [5] que ocorreu em Orlando, EUA. Éramos em torno de 25.000 mulheres em uma semana de evento para celebrar a participação de mulheres na tecnologia. Mulheres de todo o mundo, de diferentes raças, etnias, trajetórias juntas, discutindo tecnologia, inovação e diversidade. Foi a experiência mais inclusiva que tive na vida. Não conhecia ninguém, e mesmo assim, não me senti só por nenhum minuto. Fiquei imaginando como deveria ter sido se esse sentimento tivesse me acompanhado durante meus estudos. Para mim, foi uma catarse. Levo comigo essa experiência transformadora e é o desejo de que esse sentimento ultrapasse as barreiras de um evento internacional e seja parte do cotidiano de todas nós que me motiva a continuar lutando.

Monica Pereira
Doutora em Ciência da Computação

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.
Me autodeclaro como uma mulher parda
consciente dos privilégios que me permitiram
seguir a minha trajetória.)

Crédito da Imagem: Gerd Altmann por Pixabay

Referências

  1. Mulheres são apenas 19% dos trabalhadores em tecnologia, diz estudo da Catho
  2. PretaLab. #QuemCodaBR
  3. Djamila Ribeiro. O que é lugar de fala? Editora ‏Letramento; 1ª edição, 2017.
  4. Algumas reflexões sobre porque representatividade importa — e muito!
  5. AnitaB.org. Grace Hopper Celebration