Molde, moldinho, aqui eu não

me encaixo não

Postado por Elie Costa em 20 de setembro de 2021




Desde muito cedo somos inseridas em um paradigma de sociedade que não pensa em nossas demandas, que não considera nossa natureza. A compreensão do nosso ciclo menstrual e de como isso afeta nosso dia-a-dia é uma ferramenta a qual nosso acesso foi limitado desde o primeiro dia de menstruação. Estar inserida em uma sociedade onde os fundamentos foram estabelecidos por padrões e dinâmicas biológicas masculinas é um fator limitante, e nossa natureza se torna “fraca” a cada cólica, as nossas mudanças de humor se tornam “intemperança” ou sinal de “inconstância”.

E se a gente olhar para esse molde por outra perspectiva? Existe outra? Vou narrar um pouco de como a história com meu ciclo menstrual mudou ao longo da minha vida e principalmente, como me mudou:

A primeira vez, a primeira que vi aquele sangue vibrante descendo por entre minhas pernas pensei: “ Hmm, devo ter me cortado em algum lugar, vou para casa limpar”, cheguei ao banheiro, lavei todo o meu corpo, procurei o corte, não achei e segundos adiante após cautelosa examinação o sangue continuava a correr. Gritei incessantemente o nome da minha mãe, não sabia o que fazer, não entendia o que estava acontecendo, tinha doze anos, tentei resgatar na minha memória instruções do que fazer e não encontrei. Após um tempo, esperando resposta de minha mãe e em completo estado de “parafusamento” ela apareceu! Perguntou o que era e eu falei chorando: “Acho que tô morrendo, comecei a sangrar e não tô cortada”; minha mãe gargalhou e disse, um minuto foi a seu quarto e voltou com um pacote estranho, em seu interior havia pequenos pacotinhos com forma retangular de textura macia, os quais me explicou depois, eram de algodão.

A partir desse dia instruções do que fazer ante vindas pelas frases “faça desse modo, você agora é uma mocinha” ou “não faça mais isso, você agora é uma mocinha” passaram a acompanhar minhas tentativas de sentar confortavelmente sem precisar me preocupar com a postura ou ao tentar me evadir dos sermões onde tentaram me ensinar a falar baixo e ser carinhosa como uma mocinha deve ser. No segundo mês, descobri que eu iria menstruar todos os meses, e que minhas colegas também menstruavam, mas a gente não falava sobre esses assuntos, era muito pessoal

Por anos a fio minha relação com meu ciclo menstrual foi difícil e marcada por negação do que impunham a mim como fraqueza. Sempre me sentia improdutiva e muito cansada no meu período menstrual e mais introvertida que o normal, eram sempre dias aos quais eu desejava me esconder do mundo. Em contraponto, durante minha janela fértil eu me sentia estonteante e disposta a ter longas conversas e trabalhar por horas a fio em equipe. Sempre desejava que meus dias de “bem-estar” durassem para sempre e que os dias tenebrosos e de fraqueza da menstruação não viessem novamente. Esse cenário mudou após uma palestra que assisti onde a palestrante falava orgulhosamente de como estar conectada com seu ciclo menstrual e a compreensão de quais habilidades nela estavam mais fortes a cada momento a ajudou a ressignificar essa experiência mensal, após a palestra me dediquei algumas horas pesquisando sobre o poder do conhecimento à respeito do nosso ciclo menstrual.

Nosso ciclo menstrual possui quatro fases e em cada uma delas haverá, de acordo com a concentração de hormônios, mais inclinação para diferentes tipos de comportamento e maneiras de acessar a nossa produtividade. A primeira fase denominada Folicular apresenta um aumento dos níveis de estrogênio, é uma fase onde naturalmente teremos uma inclinação para tarefas que demandem criatividade e energia. É um período excelente para tentar novas possibilidades e projetos no trabalho e na vida pessoal. Já na segunda fase, que é a Ovulatória, nossa habilidade para comunicação é favorecida, é um período onde conseguimos apresentar um maior potencial durante negociações e conversas decisivas. Enquanto que para as fases folicular e ovulatória há um favorecimento para o nosso desempenho em tarefas que envolvam a nossa criatividade, falar em público, realizar negociações e planejamentos na terceira fase a Luteal, é o momento em que nosso foco pode ser canalizado para a realização de tarefas, de encerramento de projetos é uma fase onde nosso foco está voltado à concretização dos nossos planejamentos de maneira estratégica e objetiva. Essa é a fase mais longa do nosso ciclo. Por fim, o encerramento do nosso ciclo nos leva ao espaço de introspecção e análise das nossas metas, dos nossos projetos e ações, assim, chegamos a fase Menstrual, um excelente momento para fazer um balanço sobre nossas ações e planejamentos, nessa fase a conexão com nossas ações e emoções traz força, este é um momento de força e não de fraqueza.

Após o conhecimento das fases que compõem o nosso ciclo, comecei a ficar mais atenta, e também a procurar estratégias que eu pudesse usar de acordo com a mudança nas minhas demandas. A prática de atividades físicas, a busca por uma alimentação mais saudável e a conexão com outras mulheres que também estão nesse processo de autoconhecimento tem me colocado num espaço de reconhecimento das minhas habilidades e limitações de maneira nunca experienciada antes. Esse é o meu relato de como a conexão com meu ciclo menstrual tem me ajudado a seguir por essa existência, qual sua experiência?

Abraços
Elie Costa
(Pseudônimo)

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)

Crédito da Imagem: svtdesign - stock.adobe.com