Desde muito cedo somos inseridas em um paradigma de sociedade que não pensa em nossas demandas, que não considera nossa natureza. A compreensão do nosso ciclo menstrual e de como isso afeta nosso dia-a-dia é uma ferramenta a qual nosso acesso foi limitado desde o primeiro dia de menstruação. Estar inserida em uma sociedade onde os fundamentos foram estabelecidos por padrões e dinâmicas biológicas masculinas é um fator limitante, e nossa natureza se torna “fraca” a cada cólica, as nossas mudanças de humor se tornam “intemperança” ou sinal de “inconstância”.
E se a gente olhar para esse molde por outra perspectiva? Existe outra? Vou narrar um pouco de como a história com meu ciclo menstrual mudou ao longo da minha vida e principalmente, como me mudou:
A primeira vez, a primeira que vi aquele sangue vibrante descendo por entre minhas pernas pensei: “ Hmm, devo ter me cortado em algum lugar, vou para casa limpar”, cheguei ao banheiro, lavei todo o meu corpo, procurei o corte, não achei e segundos adiante após cautelosa examinação o sangue continuava a correr. Gritei incessantemente o nome da minha mãe, não sabia o que fazer, não entendia o que estava acontecendo, tinha doze anos, tentei resgatar na minha memória instruções do que fazer e não encontrei. Após um tempo, esperando resposta de minha mãe e em completo estado de “parafusamento” ela apareceu! Perguntou o que era e eu falei chorando: “Acho que tô morrendo, comecei a sangrar e não tô cortada”; minha mãe gargalhou e disse, um minuto foi a seu quarto e voltou com um pacote estranho, em seu interior havia pequenos pacotinhos com forma retangular de textura macia, os quais me explicou depois, eram de algodão.
A partir desse dia instruções do que fazer ante vindas pelas frases “faça desse modo, você agora é uma mocinha” ou “não faça mais isso, você agora é uma mocinha” passaram a acompanhar minhas tentativas de sentar confortavelmente sem precisar me preocupar com a postura ou ao tentar me evadir dos sermões onde tentaram me ensinar a falar baixo e ser carinhosa como uma mocinha deve ser. No segundo mês, descobri que eu iria menstruar todos os meses, e que minhas colegas também menstruavam, mas a gente não falava sobre esses assuntos, era muito pessoal…
Por anos a fio minha relação com meu ciclo menstrual foi difícil e marcada por negação do que impunham a mim como fraqueza. Sempre me sentia improdutiva e muito cansada no meu período menstrual e mais introvertida que o normal, eram sempre dias aos quais eu desejava me esconder do mundo. Em contraponto, durante minha janela fértil eu me sentia estonteante e disposta a ter longas conversas e trabalhar por horas a fio em equipe. Sempre desejava que meus dias de “bem-estar” durassem para sempre e que os dias tenebrosos e de fraqueza da menstruação não viessem novamente. Esse cenário mudou após uma palestra que assisti onde a palestrante falava orgulhosamente de como estar conectada com seu ciclo menstrual e a compreensão de quais habilidades nela estavam mais fortes a cada momento a ajudou a ressignificar essa experiência mensal, após a palestra me dediquei algumas horas pesquisando sobre o poder do conhecimento à respeito do nosso ciclo menstrual.
Nosso ciclo menstrual possui quatro fases e em cada uma delas haverá, de acordo com a concentração de hormônios, mais inclinação para diferentes tipos de comportamento e maneiras de acessar a nossa produtividade. A primeira fase denominada Folicular apresenta um aumento dos níveis de estrogênio, é uma fase onde naturalmente teremos uma inclinação para tarefas que demandem criatividade e energia. É um período excelente para tentar novas possibilidades e projetos no trabalho e na vida pessoal. Já na segunda fase, que é a Ovulatória, nossa habilidade para comunicação é favorecida, é um período onde conseguimos apresentar um maior potencial durante negociações e conversas decisivas. Enquanto que para as fases folicular e ovulatória há um favorecimento para o nosso desempenho em tarefas que envolvam a nossa criatividade, falar em público, realizar negociações e planejamentos na terceira fase a Luteal, é o momento em que nosso foco pode ser canalizado para a realização de tarefas, de encerramento de projetos é uma fase onde nosso foco está voltado à concretização dos nossos planejamentos de maneira estratégica e objetiva. Essa é a fase mais longa do nosso ciclo. Por fim, o encerramento do nosso ciclo nos leva ao espaço de introspecção e análise das nossas metas, dos nossos projetos e ações, assim, chegamos a fase Menstrual, um excelente momento para fazer um balanço sobre nossas ações e planejamentos, nessa fase a conexão com nossas ações e emoções traz força, este é um momento de força e não de fraqueza.
Após o conhecimento das fases que compõem o nosso ciclo, comecei a ficar mais atenta, e também a procurar estratégias que eu pudesse usar de acordo com a mudança nas minhas demandas. A prática de atividades físicas, a busca por uma alimentação mais saudável e a conexão com outras mulheres que também estão nesse processo de autoconhecimento tem me colocado num espaço de reconhecimento das minhas habilidades e limitações de maneira nunca experienciada antes. Esse é o meu relato de como a conexão com meu ciclo menstrual tem me ajudado a seguir por essa existência, qual sua experiência?
Abraços
Elie Costa
(Pseudônimo)
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
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