Algumas reflexões sobre/na correria
Postado por Allana Carvalho
em 16 de maio de 2022
Estive pensando em um tema que pudesse compartilhar com as pessoas leitoras deste blog, mas ando tão inundada no cansaço da minha própria rotina que esse é, para mim, o único assunto possível neste momento. Sabem quando a sobrecarga de atividades é tanta, que parece que falta energia para ser criativa na vida? Desejaria que não soubessem, mas acredito que vocês sabem sim.
Tanta coisa grotesca acontecendo no Brasil e no mundo e não dá tempo nem de assimilar, porque parece que o próprio mundo, a própria bolha, já demanda energia e afeto o bastante, cotidianamente. E parece que isso não é suficientemente cansativo, porque sempre há alguém para dizer “E olha que você nem é…”; “E eu, que ainda tenho que….”; “Mas agora ainda tá bom, você vai ver depois, quando…”. Em que momento a gente normalizou isso? E a que serve essa normalização?
Quando se fala em sobrecarga feminina, a coisa é ainda mais profunda. As exigências de trabalho (ainda) se somam às estéticas, domésticas, de cuidadoras, de simpatia e disponibilidade, de paciência, perdão e compreensão incondicionais (que duro ainda estar escrevendo isso em pleno 2022…). Óbvio que não temos que seguir tudo isso, mas, de todo modo, temos de conviver com a pressão social dessas “exigências”, que muitas mulheres são ensinadas a internalizar desde muito cedo. Essas expectativas sociais em relação aos modos de ser de mulheres geram uma sobrecarga afetiva absurda, que impactam diretamente em como nos sentimos cotidianamente. E, muitas vezes, vêm associadas a sentimentos de culpa, de frustração e de baixa autoestima por não sermos “boas o bastante” (para quem mesmo?) e por não suprirmos as expectativas (de quem mesmo?).
A pauta do “estar cansada” tem aparecido para mim frequentemente em conversas com outras pessoas no cotidiano, e nem sempre sou eu que inicio o diálogo sobre isso - aparentemente, estamos todas no mesmo barco. Algo que tenho percebido quando converso a respeito com mulheres é que o cansaço e a sobrecarga são generalizados. Mas não percebi só isso: venho notando que a conversa costuma rumar para uma espécie de autorização mútua em sair da perfeição, do ideal de dar conta de tudo. Sinto como se uma tentasse alertar a outra de que é possível sair dos ideais e que não precisamos nos sentir culpadas por isso. É possível errar, aceitar que não está bem sempre, priorizar descansar em vez de limpar a casa, dedicar horas a ter lazer, optar por se vestir de forma confortável mesmo que não seja o que as outras pessoas esperam. Essas possibilidades podem parecer bem óbvias para quem vê de fora, mas infelizmente nem sempre mulheres são ensinadas a entendê-las como prerrogativas suas.
Nessas conversas cotidianas que citei, venho sentindo que, quando uma mulher fala às outras, há uma legitimação coletiva dessas possibilidades. Escuto isso como um acolhimento, como um oferecimento de suporte e como uma tomada de consciência. Que bom que essa tem sido uma perspectiva de horizonte, apesar do longo caminho que ainda temos a caminhar!
tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Allana Carvalho
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)