Mas quem sabe matemática?
Parte II
Postado por Luana Metta
em 09 de maio de 2022
Finalizei o último texto perguntando será que nossas meninas e meninos brincam das mesmas coisas? E mais ainda: será que esperamos o mesmo desempenho em matemática dos meninos e meninas? Para quem está começando a ler o texto achando que trago respostas, já aviso que não tenho, todas, elas. Mas tenho alguns pontos que quero falar com vocês. Vamos lá?
Em 2019 entrei no doutorado na UFRN e me propus a estudar o processo de aprendizagem matemática ainda na primeira infância dentro do contexto escolar. Com a pandemia do COVID-19 em 2020, tive que repensar os caminhos e comecei a investigar sobre o papel da família e da cultura no desenvolvimento dessas habilidades, já que agora as crianças estavam ainda mais dentro das suas casas. Junto a isso vinha o fato apresentado nos últimos anos que mostravam que o nível de educação no Brasil já estava aquém muito antes disso e desde os anos iniciais (falei melhor sobre isso na parte 01).
No meio dos meus estudos me deparei com o conceito de “Home Numeracy” ou numeracia que está relacionado aos hábitos e condutas familiares voltadas para a matemática (LEFEVRE et al., 2009). Ou seja, falar sobre Numeracia é falar sobre o papel da família desde os primeiros momentos da nossa vida no processo de aprendizagem. Os estudos dentro dessa temática, na maioria dos casos, estão relacionados ao comparativo entre o desenvolvimento da habilidade de leitura/escrita e da matemática, pensando em como os hábitos familiares favorecem mais um do que o outro (SÉNÉCHAL; LEFEVRE, 2002). O que não é novidade é que foi possível perceber não só no Brasil como em diversos outros países (Canada, Índia, Marrocos e Chile, por exemplo) uma maior valorização dos conhecimentos de leitura do que da matemática (SKWARCHUK; SOWINSKI; LEFEVRE, 2014).
Mas o que eu quero conversar com vocês é sobre esses hábitos em si e como isso está diretamente relacionado ao desenvolvimento da habilidade matemática nas nossas crianças. Afinal, como o próprio Vygotiski diz em um dos seus escritos “Ao brincar, a criança assume papéis e aceita as regras próprias da brincadeira, executando, imaginariamente, tarefas para as quais ainda não está apta ou não sente como agradáveis na realidade”. E o que isso tudo tem a ver?
Quando pensamos em numeracia, existem duas formas dessas serem estimuladas através atividades diretas e das indiretas. As atividades diretas são aquelas em que há uma intencionalidade em se ensinar conceitos matemáticos para a criança, como em atividades de contagem, organização por categoria, e até mesmo cálculos simples. Do outro lado temos as atividades indiretas que fazem, ou deveriam, fazer parte da rotina da criança e que assim acabam auxiliando no estimulo matemático (NGUYEN et al., 2016).
Assim, dentro desse contexto quem convive com criança pequena ou com responsáveis por elas, pode perceber que é mais comum vermos que o estímulo natural é desenvolver a capacidade de ler e escrever muito mais do que a capacidade matemática (SILVA; OLIVEIRA, 2015). E nesse contexto as brincadeiras acabam por ter forte papel no desenvolvimento das habilidades preditoras para a aprendizagem matemática.
E aí voltamos para a pergunta inicial: será que esperamos o mesmo desempenho em matemática dos meninos e meninas?
Quando olhamos o brincar dos meninos quais as primeiras brincadeiras que vem a nossa cabeça: jogar bola, videogame, jogos de tabuleiro, entre outros. Se analisarmos essas brincadeiras a matemática está inserida de forma direta e indireta, além de serem brincadeiras que utilizam o corpo e orientação espacial. Do outro lado as meninas tendem a brincar mais de boneca, contação de histórias, desenhos, brincadeiras relacionadas muito mais ao desenvolvimento da imaginação do que habilidades matemáticas e espaciais (KRAUSE et al., 2019).
Além disso, os meninos são ensinados a usar os espaços, a correr, a se mexer, permitindo uma maior noção corporal e espacial, habilidades que segundo estudos mais recentes possuem forte relação com o desenvolvimento matemático (COHEN; NAPARSTEK; HENIK, 2014; KRAUSE et al., 2019). E as nossas meninas? Não estou falando aqui que as mulheres não possuem noção espacial e corporal, mas estou trazendo a discussão sobre o quanto essas habilidades são estimuladas em contraponto a habilidade de falar bem, e de saber se portar.
Como já disse antes, saber matemática vai muito além de resolução de cálculos, saber matemática está ligada a resolução de problemas e raciocínio lógico matemáticos. E para isso é necessário como dito por Vygotisky experienciar para poder internalizar e assim aprender.
Luana Metta
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)