Já conversamos aqui no blog sobre o impacto dos estereótipos de gênero nas escolhas de carreira, bem como sobre alguns dos obstáculos encontrados por mulheres no estudo, na pesquisa e no trabalho nas áreas STEM. Quando consideramos esse cenário, não é tão difícil imaginar que ele se reflete também no contexto acadêmico, não é mesmo?
Sou psicóloga, acostumada, durante minha formação acadêmica, a ver as salas de aula e do laboratório de Psicologia cheias de mulheres, estudantes e professoras. Acostumada também a ver mulheres tomando a frente do planejamento, das decisões e dos rumos do departamento, de pesquisas e de produções científicas – ou seja, a ver mulheres serem referências.
O predomínio de mulheres na minha formação muito me ensina e inspira. Mas também é chocante – e necessário – admitir que, mesmo em um meio em que somos muitas, ainda nos vemos sofrendo assédio praticado por homens e sem saber como agir diante dessas situações. Também é necessário reconhecer que não é por acaso que esse predomínio feminino ocorra justamente em uma área de formação profissional ligada ao cuidado em saúde, e que tarefas de cuidado têm sido tradicionalmente ligadas a mulheres na sociedade machista em que vivemos – como se não fossem algo pelo que homens tivessem que se responsabilizar, ou para o qual tivessem competência e habilidade.
Hoje, trabalho como psicóloga na mesma universidade em que me formei, porém, diferentemente do que estava acostumada, me percebo como minoria em meu local de atuação, no que se refere à representação de gênero. Trabalho junto a docentes e discentes na área de Tecnologia da Informação e constato como é alarmante as diferenças de representatividade que podem ocorrer numa mesma universidade, a depender da área do conhecimento em questão.
Lamentavelmente, ainda é comum presenciarmos comentários falaciosos que reproduzem estereótipos de gênero relacionados a escolhas profissionais e de carreira, do tipo “esse curso é de mulher”, ou “mulheres não são boas em matemática”, ou “para uma mulher, você fez isso muito bem”. Com a contribuição de desserviços como esse, ainda vivemos em uma realidade em que, apesar de as mulheres terem maior inserção no Ensino Superior que homens, sua participação seja mais significativa em algumas áreas que em outras. A participação feminina é predominante em cursos nas áreas de Ciências Humanas, de Ciências Sociais Aplicadas e da Saúde, enquanto nas áreas STEM os homens ainda são maioria [1].
Na pós-graduação, esse cenário se repete. Em artigo publicado no site do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea, afirma-se que, nas últimas duas décadas, houve um aumento de 10% na participação de mulheres em doutorados no Brasil, e que elas hoje representam cerca de 54% do total de estudantes doutorandos no país. Porém, assim como no resto do mundo, no Brasil essa participação apresenta grandes variações a depender da área do conhecimento que se considera. Por exemplo, nas “ciências da vida e da saúde”, as mulheres representam cerca de 60% do total de pesquisadores, enquanto nas ciências da computação e matemática esse percentual reduz para menos de 25% [2].
A participação das mulheres também vem aumentando no que diz respeito às publicações científicas: atualmente nós publicamos basicamente a mesma quantidade de artigos que homens. O número de citações que as cientistas brasileiras recebem também é próximo do referente aos homens. Mas, mesmo assim, as diferenças voltam a se acentuar quando se considera as áreas de Matemática, Ciência da Computação e Engenharia, por exemplo [3].
Apesar de serem a maioria das pessoas com doutorado em diversas áreas do conhecimento, a maioria dos docentes de Ensino Superior em exercício no Brasil são do sexo masculino [1]. Segundo o artigo do IPEA acima mencionado, as mulheres representam apenas 24% dos beneficiários da bolsa produtividade, um subsídio governamental concedido aos cientistas mais produtivos do país [2]. Outro dado que vale mencionar é que o número de pedidos de patentes por pesquisadoras aumentou notavelmente no Brasil nos últimos anos, mas ainda é expressivamente menor do que os pedidos feitos por homens, quando considerado proporcionalmente [4].
Dito isso, é notável que, nos últimos anos, houve um aumento significativo na participação feminina nas universidades, que não pode deixar de ser mencionado. Também fica perceptível, porém, que ainda temos muito a caminhar em direção a mais avanços, em busca de um fazer científico com mais igualdade no que diz respeito à representatividade de gênero. Vamos juntas!
Allana Carvalho
Psicóloga e mestra em Psicologia
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
Crédito da Imagem: chenspec por Pixabay
Referências
- INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Resumo técnico: censo da educação superior de 2019. Brasília: DF, INEP/MEC, 2020.
- Mulheres na ciência no Brasil: ainda invisível?
- TONINI, Adriana Maria; ARAÚJO, Mariana Tonini de. A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NAS ÁREAS DE STEM (SCIENCE, TECHNOLOGY ENGINEERING AND MATHEMATICS). Revista de Ensino de Engenharia, v. 38, n. 3, p. 118-125, 2019.
- ELSEVIER. Gender in the Global Research Landscape: Analysis of research performance through a gender lens across 20 years, 12 geographies, and 27 subject areas, 2017.