Quem ama não mata - O feminicídio no Brasil

Postado por Viviane Nogueira
em 18 de abril de 2022

Quem ama não mata foi o slogan escolhido para criar a identidade de um dos primeiros movimentos feministas organizados (e, diga-se de passagem, registrados) no nosso país. Apesar de que na época, o termo feminismo ainda não era utilizado. “Movimento de mulheres” era como elas se auto denominavam. Esse slogan nasceu na virada dos anos 1970 para 1980, quando não era comum existirem manifestações desse cunho.

Apesar da força e da beleza que podem coexistir no slogan, infelizmente, ele não é real. Companheiros que amam mataram e continuam matando mulheres a cada dia. E o que eu gostaria de compartilhar no texto de hoje é como eu descobri a história do feminicídio no Brasil.

Ângela Diniz, mineira de classe alta, foi morta no dia 30 de dezembro de 1976 pelo assassino confesso Doca Street, o homem que se dizia amá-la. Esse crime foi divisor de águas na vida de muitas mulheres. Ângela era conhecida por ser linda e livre. Mas ser livre não era uma característica apreciada nas mulheres daquela época.

Ela foi morta em 1976 e não houve nenhuma reação do movimento feminista. No primeiro julgamento do Doca, em 1979, o seu advogado alegou legítima defesa da honra e ele não foi condenado como era esperado. Não só não foi preso, como saiu ovacionado do tribunal. Muita gente apoiando, aplaudindo sua absolvição. Como assim? O réu virou vítima? Sim, Doca Street e seus advogados conseguiram esse plot twist inacreditável.

No entanto, nessa virada de 1970 para 1980, muita coisa mudou de conformação. O país estava saindo da ditadura, engatinhando na democracia, chegou a lei da anistia, e com ela o retorno de muita gente exilada. Dentre essas pessoas, algumas mulheres engajadas no barulhento movimento feminista europeu.

Também em 1980, duas mulheres, Heloísa Ballesteros e Maria Regina foram mortas num espaço de 15 dias, por seus maridos. Elas eram casadas, infelizes, e tinham em comum a vontade de se separar dos seus companheiros. Ambas eram donas de casa. Não eram reconhecidamente livres como Ângela Diniz. Esses crimes ganharam repercussão nacional enquanto o segundo julgamento de Doca Street chegou.

O Quem ama não mata esteve diretamente ligado a jornalistas mulheres, que organizaram tudo para que as manifestações repercutissem de forma intensa em todo o país. No segundo julgamento, Joca não foi aplaudido e foi condenado a 15 anos de prisão. Essa foi considerada a primeira vitória do movimento de mulheres no Brasil.

Depois disso, muitas outras conquistas vieram. A demorada queda do argumento de legítima defesa da honra que justificou muitos crimes contra a mulher e deixou seus companheiros criminosos livres. O nascimento do termo feminicídio e como se enxerga um caso desse nos julgamentos hoje em dia. Mas o caso é complexo demais para um texto de blog. Por isso, eu indico o Podcast Praia dos Ossos (radionovelo.com.br/praiadosossos), que conta detalhadamente o caso Ângela Diniz em 8 episódios. Apesar de parecer muito, a gente nem percebe o tempo passando. As colaboradoras deste projeto são incrivelmente talentosas, e conseguem nos prender em um conteúdo curado, sério e bem narrado.

Vai por mim, dá o play. Depois espalha a história, nossa história, da conquista do direito de viver - amadas ou não.

Viviane Nogueira

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)