Sim, mas e daí?

Postado por Izabela Paiva
em 13 de abril de 2022

Em construção:

As nossas escolhas, muito frequentemente postas como consequência e produtos de nossos desejos e pensamentos exclusivamente nossos e tão somente nossos, são na verdade, por muitas vezes, produto de todas as nossas interações diretas e também indiretas. Diariamente somos cobertos e cobertas com uma série de informações, nem sempre úteis ao nosso caminho, nem sempre guias para o que pode nos fazer encontrar um lugar de pertencimento.

Muitas das informações e ideias que chegam até nós perpetuam e reforçam pensamentos hegemônicos, resultantes de uma sociedade alicerçada no patriarcado e capitalismo, e são por vezes sexistas, racistas, LGBTQIA+fobia, de discriminação social e de idade.

Essa transecção influencia de maneira decisiva nossas vidas individuais, e principalmente, nossas lutas sociais. A partir dessa compreensão podemos perceber que apesar de estarmos lutando juntes pela construção de uma sociedade equânime, existem e haverão diferentes necessidades de acordo com a posição a qual ocupamos na construção social, a qual pertencemos e é o que podemos chamar de interseccionalidade.

Esse conceito emergiu de maneira forte e com importante papel em 1970 através dos movimentos feministas negros estadunidenses e foi cunhado pela primeira vez pela escritora e ativista Kimberlé Crenshaw. A emergência da interseccionalidade permitiu ao movimento feminista a obsevação de que apesar da luta por equidade estar acontecendo a nível de gênero dentro do movimento feminista, mulheres negras não tinham suas demandas sociais, atravessadas por questões de gênero e também de raça, contempladas.

O que nos leva a necessidade de uma importante observação aqui, apesar de em geral percebermos um estabelecimento das lutas sociais como campos distintos e separados não o são. Audre Lorde, no manifesto do Coletivo Combahee River, nos apresenta essa perspectiva de maneira evidente e prática:

“Dentro da comunidade lésbica
eu sou negra, e dentro da comunidade negra eu sou lésbica.
Qualquer ataque contra pessoas negras é uma questão
lésbica e gay, porque eu e centenas de outras mulheres
negras somos partes da comunidade lésbica. Qualquer ataque
contra lésbicas e gays é uma questão negra, porque centenas
de lésbicas e homens gays são negros. Não há hierarquias de
opressão. (LORDE, 1984, p.7)”


Logo, é evidente que nem sempre lidamos com grupos de pessoas e movimentos sociais distintos e sim com grupos sobrepostos.

Leila Gonzalez, importante escritora e ativista social negra, ao discutir a luta feminista negra no Brasil também apresentou de maneira contundente e inegável que a luta social para ser ampla demanda que se leve em consideração gênero, raça e extrato social. A esta luz, podemos compreender que uma mulher negra-cis em nossa sociedade durante sua vivência é atravessada pelo sexismo, mas também pelo racismo. Uma mulher branca-cis, por sua vez, é atravessada pelo sexismo, e pode ser atravessada por preconceito de extrato social. Uma mulher negra-trans além do sexismo e do racismo também é atravessada pela transfobia. Todas mulheres, mas com necessidades de representatividade e de políticas sociais distintas.

A ideia hoje é nos lembrar que somos atravessades e ao mesmo tempo agentes atravessadores. Somos produto do meio, mas também agentes formadores. É importante, portanto, aprender a reconhecer nossas ideias e demandas e também a de quem está na luta conosco. A compreensão da interseccionalidade para além da visualização dessa importante nuance permite que perspectivas diferentes sejam postas à luz da discussão. Uma vez que cada pessoa, dependendo do lugar onde se encontra, traz observações e uma sabedoria singular essencial à construção de nossos movimentos sócio-políticos.

É, portanto, urgente a necessidade de aprender a se localizar diante de nós mesmos e a respeitar e acolher as lutas e demandas que nos perpassam total e parcialmente. Construir dentro de nós uma escuta atenta e respeitosa. Cada mente, cada pessoa é uma singularidade do universo onde espaço e tempo convergem. Onde cada ação contribui para o avanço, estagnação ou retrocesso.

Izabela Paiva

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)

Referências

  1. Feminismo negro: sobre minorias dentro da minoria
  2. Assis, Dayane N. Conceição de. Interseccionalidades - Salvador: UFBA, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências; Superintendência de Educação a Distância, 2019. 57 p. : il.