Uma Poesia aqui, outra acolá
Postado por Izabela Paiva
em 21 de março de 2022
A voracidade da existência, a dinamicidade da vida em sociedade e todos os rótulos e papéis sociais que advém dessa experiência não são fáceis e criam prisões. Crescemos em alinhamento com essas “regras” e “expectativas” ensinades desde sempre a não questionar, a “seguir o fluxo”, procurar um lugar onde se encaixar e claro, sem incomodar o panorama vigente bem posto muito antes de conhecermos a vida. Não posso garantir ao certo, mas acredito que o respeito a singularidade de cada pessoa é essencial, basta observar a diversidade no ser que podemos experienciar, mesmo que de forma conturbada, nos dias presentes.
A indicação literária dessa semana é poética, de termo e fato, mas vai além. Elisa Lucinda e Hilda Hilst traduziram nas linhas expressas e entrelinhas de seus poemas os eixos da realidade que sustentam as muitas e diferentes camadas dos sentires que podem existir em nossas vidas. A angústia pela proximidade e desconhecido diante da morte, a força da mulher que não é e nem aceita ser reduzida ao lugar de amorosa e gentil, a força do amor, do desejo e a constante busca, quase que sem resposta certa por algo que justifique nossa passagem por aqui. Deixo aqui, dois dos meus favoritos poemas:
Aviso da Lua Que Menstrua Elisa Lucinda |
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Moço, cuidado com ela! Há que se ter cautela com esta gente que menstrua… Imagine uma cachoeira às avessas: cada ato que faz, o corpo confessa. Cuidado, moço às vezes parece erva, parece hera cuidado com essa gente que gera essa gente que se metamorfoseia metade legível, metade sereia. Barriga cresce, explode humanidades e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar mas é outro lugar, aí é que está: cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita.. Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente que vai cair no mesmo planeta panela. Cuidado com cada letra que manda pra ela! Tá acostumada a viver por dentro, transforma fato em elemento a tudo refoga, ferve, frita ainda sangra tudo no próximo mês. Cuidado moço, quando cê pensa que escapou é que chegou a sua vez! Porque sou muito sua amiga é que tô falando na “vera” conheço cada uma, além de ser uma delas. Você que saiu da fresta dela delicada força quando voltar a ela. Não vá sem ser convidado ou sem os devidos cortejos.. Às vezes pela ponte de um beijo |
já se alcança a “cidade secreta” a Atlântida perdida. Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela. Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas cai na condição de ser displicente diante da própria serpente Ela é uma cobra de avental Não despreze a meditação doméstica É da poeira do cotidiano que a mulher extrai filosofando cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso julgando a arte do almoço: Eca!… Você que não sabe onde está sua cueca? Ah, meu cão desejado tão preocupado em rosnar, ladrar e latir então esquece de morder devagar esquece de saber curtir, dividir. E aí quando quer agredir chama de vaca e galinha. São duas dignas vizinhas do mundo daqui! O que você tem pra falar de vaca? O que você tem eu vou dizer e não se queixe: VACA é sua mãe. De leite. Vaca e galinha… ora, não ofende. Enaltece, elogia: comparando rainha com rainha óvulo, ovo e leite pensando que está agredindo que tá falando palavrão imundo. Tá, não, homem. Tá citando o princípio do mundo! |
Da morte. Odes mínimas - VII Hilda Hilst |
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Perderás de mim Todas as horas Porque só me tomarás A uma determinada hora. E talvez venhas Num instante de vazio E insipidez. Imagina-te o que perderás Eu que vivi no vermelho |
Porque poeta, e caminhei A chama dos caminhos Atravessei o sol Toquei o muro de dentro Dos amigos A boca nos sentimentos E fui tomada, ferida De malassombros, de gozo Morte, imagina-te. |
Izabela Paiva
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)