Salvas pela literatura

Postado por Viviane Nogueira
em 07 de março de 2022

Eu fui uma garota introspectiva. Depois do meu primeiro livro longo, não lembro de ter parado. Se eu tô feliz, arranjo um livro pra comemorar. Se quero aprender sobre algum lugar, procuro livros que se passem lá. Se tô triste, leio pra me consolar. Se quero me empoderar, leio grandes autoras. Sempre foi desse jeito. O que me leva até as palavras de Carlos Ruiz Zafón:

"Cresci no meio de livros, fazendo amigos invisíveis em páginas que se desfaziam em pó cujo cheiro ainda conservo nas mãos."

Falando no Zafón, vou imediatamente pro Cemitério dos Livros Esquecidos. Na dele, a gente adentra uma biblioteca secreta e labiríntica que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo, à espera de que alguém as descubra. Meu sonho de princesa é entrar nesse lugar um dia (haha!)

Já pensou? Entrando num corredor do Cemitério dos Livros Esquecidos nos deparamos com os primeiros textos registrados do mundo. Feitos pelos sumérios, por volta de 5 mil anos atrás. Se tratam de leis, assuntos administrativos e religiosos, mas também de lendas e poemas locais. Tudo isso em um dos idiomas mais antigos do mundo.

Passeando por lá, eu provavelmente sentiria falta de ver mais livros escritos por mulheres. No que se tem registro, a publicação de “Cidade das Damas” da italiana Christine de Pizan, em 1405, a tornou a primeira autora remunerada do ocidente. No Brasil, um grande marco foi em 1932 - ano em que a autora Nísia Floresta Brasileira Augusta publicou seus textos em jornais. Não é à toa que nosso projeto de pesquisa carrega o nome dela.

Até essa época, mulheres se viam obrigadas a se esconder em pseudônimos masculinos. Não só no Brasil… Essa foi a situação da Emily Brontë que publicou o clássico da literatura "O Morro dos Ventos Uivantes" em 1847, sob o pseudônimo de Ellis Bell. Ainda que a gente avance 150 anos, em 1996, a J.K Rowling - autora da série "Harry Potter", foi aconselhada por seus editores a abreviar seu nome para que o público não soubesse imediatamente que o livro havia sido escrito por uma mulher.

Loucura esse conselho, né? Mas não tanto, quando a gente coloca em perspectiva. Durante os 80 primeiros anos de existência da Academia Brasileira de Letras, nenhuma mulher fez parte de qualquer cadeira. Até hoje, apenas 9 mulheres conquistaram essa posição, incluindo a Fernanda Montenegro que está assumindo agora em março de 2022. Também apenas 16 dos 117 Prêmios Nobel de Literatura foram atribuídos a mulheres. O caminho para o reconhecimento literário feminino é mais duro, mesmo em 2022. No fim desse texto eu deixei as membras da Academia Brasileira de Letras e as Laureadas com Prêmio Nobel pra inspirar suas próximas leituras.

Mesmo crescendo em meio aos livros e sonhando com lugares como o Cemitério dos Livros Esquecidos, eu li muito menos autoras mulheres do que homens. Li menos protagonistas mulheres, menos personagens femininas complexas. E esse é O perigo de uma história única (Chimamanda Ngozi Adichie), que nos coloca pra ler sobre a neve caindo na noite de natal em pleno 35 graus brasileiros.

Com acesso à uma literatura única, a gente não expande em empatia, muito menos se identifica. Ler sobre questões que eu também passo, sobre dores e delícias do mundo feminino, me identificar com componentes do clima que eu cresci é revolucionário. Me traz consolo, afago, me empodera e inspira.

E você, que tal aproveitar pra ler uma mulher hoje?

Viviane Nogueira

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)

Laureadas Prêmio Nobel de Literatura

2020: Louise Glück (Estados Unidos)
2018: Olga Tokarczuk (Polônia)
2015: Svetlana Aleksiévitch (Belarus)
2013: Alice Munro (Canadá)
2009: Herta Müller (Alemanha)
2007: Doris Lessing (Grã-Bretanha)
2004: Elfriede Jelinek (Áustria)
1996: Wislawa Szymborska (Polônia)
1993: Toni Morrison (Estados Unidos)
1991: Nadine Gordimer (África do Sul)
1966: Nelly Sachs (Suécia)
1945: Gabriela Mistral (Chile)
1938: Pearl Buck (Estados Unidos)
1928: Sigrid Undset (Noruega)
1926: Grazia Deledda (Itália)
1909: Selma Lagerlöf (Suécia)

Membras da Academia Brasileira de Letras

2022 - Fernanda Montenegro
2013 - Rosiska Darcy
2009 - Cleonice Berardinelli
2003 - Ana Maria Machado
2001 - Zélia Gattai
1989 - Nélida Piñon
1985 - Lygia Fagundes Telles
1980 - Dinah Silveira de Queiroz
1977 - Rachel de Queiroz

Crédito da imagem:Leitura: conheça seis grandes mulheres da literatura brasileira ...
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