Depois de uma certa idade, as conversas com crianças e adolescentes, em família, na escola e entre os amigos acaba por incluir, inevitavelmente, uma pergunta: "o que você vai ser quando crescer?" Não é uma pergunta simples. Mais que isso: é uma questão social.
São muitos os fatores que influenciam as escolhas profissionais de meninas e meninos. A família tem uma grande participação nesse processo, seja para suceder mães ou pais, irmãs, irmãos ou outros parentes; também contam escolhas que envolvem possibilidades e oportunidades de ascensão social; histórias de trajetórias de vida de pessoas podem inspirar; as mídias também jogam influências nas predileções que vão surgindo.
As meninas nem sempre têm liberdade para escolher ou sonhar. Nossa sociedade as atrela a lugares que as relações sociais e a cultura associam às mulheres. Às vezes esses lugares, geralmente opostos, podem começar com cores de roupas, brinquedos; passam a gestos, palavras e atitudes. Vozes e silêncios são moldados pelo que é social e culturalmente aceito e está marcado pelo corpo, pela interpretação distorcida de características biológicas que etiquetam gêneros e identidades com belezas e feiuras, fraquezas e fortalezas, pobrezas e riquezas, submissão e resistência ao poder. É uma conformação que se dá paulatinamente, buscando evadir a contextualização histórica desses processos.
Essas associações daquilo que compete a uns e não compete a outras vinculam-se a lugares opostos para marcar diferentes relações de poder: tentativas de aqueles exercerem o poder sobre aquelas. Nesse exercício, constituem-se muitos espaços de opressão, em que o discurso se manifesta fulcral. Vejamos!
– "Quero ser engenheira quando crescer."
– "Engenharia? Essa não é uma profissão para mulher!"
Não são essas frases irreais. Há relatos e pesquisas confirmando que considerações assim habitam espaços familiares, círculos de amizade e escolares, as mídias - todos os lugares. É um discurso que estabelece uma certa ilegitimidade ao desejo de se ocupar determinados lugares sociais, que são lugares de poder.
Não são essas frases inocentes. Elas carregam preconceitos, geram discriminação, o reforço de estereótipos que não trazem justiça social, nem realização profissional e muito menos dão asas aos sonhos das meninas.
Essas frases reais e daninhas prejudicam as meninas, tolhem-nas em suas escolhas e também criam obstáculos a uma sociedade com iguais oportunidades de caminhos a trilhar para todas as pessoas. Vamos refazer o diálogo?
- "Quero ser engenheira quando crescer."
- "Engenheira? Que legal! Você pode ser o que você quiser!"
Carla Cabral
Profa na área Ciência, Tecnologia e Sociedade na EC&T - UFRN
Pós-Doutora em História das Ciências sob a Ótica do Gênero
Doutora em Educação Científica e Tecnológica
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
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