90% das mulheres da minha turma de graduação em Ciência da Computação se formaram, o que é um bom resultado quando pensamos em termos de evasão de mulheres em cursos de tecnologia. Entretanto, deste total, apenas 45% continuaram atuando na área, 27% fizeram mestrado e 0,09% fez doutorado. Se por um lado eu posso afirmar que 100% das mulheres pretas de minha turma de graduação fez doutorado, infelizmente eu preciso também lidar com o fato de que eu era a única mulher preta de minha turma. Como posso me sentir representada?
Estes números, de mais de 20 anos atrás, ajudam a explicar a atual realidade brasileira, que é bastante desanimadora. Segundo o censo da educação superior de 2016, a soma de mulheres pretas e pardas com curso de doutorado no Brasil é inferior a 3%. Num outro recorte, se considerarmos as mulheres pretas com doutorado, que atuam em cursos de pós-graduação, estas correspondem a 0,4% dos docentes em todo Brasil [2,4,5].
O professor Renato Pedrosa da Unicamp fez uma avaliação do último censo do ensino superior e revela que em 10 anos, o número de mulheres professoras aumentou apenas 1%, tanto no setor público quanto no setor privado. Por outro lado, 51% das titulações de doutorado foram obtidas por mulheres [1].
“É preciso estar atento e forte”
É importante destacar que há uma evolução no que diz respeito às questões de gênero e raça, na medida em que estes dois recortes já são reconhecidos e admitidos em diferentes estudos[3]. De maneira análoga, admitir a discriminação nas mais diferentes esferas profissionais aponta num sentido de ampliar a discussão sobre este tema[2,3,5]. Entretanto, estes aspectos precisam sair do papel. Precisamos também de ações afirmativas, dentre elas eu destaco especialmente (a) aquelas que permitem o ingresso de mulheres nas universidades públicas, sobretudo as negras, e que também (b) possibilitem a sua permanência, para que não sejam apenas números perdidos em estatísticas. Obviamente, isso não exclui políticas públicas no que diz respeito a educação básica.
Precisamos de mais representatividade. Precisamos nos enxergar nos espaços, para que aquela voz histórica de cárcere e subserviência, que ecoa a todo instante e nos diz que não somos capazes, perca sua força. Queremos ações, para que barreiras possam ser quebradas e horizontes sejam (re)descobertos.
Hoje, eu tenho consciência de que o meu papel é também de inspirar mulheres negras a pensarem que o mundo acadêmico e corporativo também pode ser delas. As barreiras históricas que nos impedem de ocupar espaços, de sentirmos humanidade não podem permanecer. Se isso cansa? Sim! E muito, mas como diz a letra de um compositor baiano como eu:
“É preciso estar atento e forte.
Não temos tempo de temer a morte.”
Divino e Maravilhoso - Caetano Veloso e Gilberto Gil
Por mais representatividade!
Flávia Maristela Santos Nascimento
Doutora em Ciência da Computação
Professora no IFBA
(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)
Crédito da Imagem: Markus Winkler por Pixabay
Referências
- Mulheres no ensino superior ainda são minoria apenas na docência. Luiz Sugimoto
- Ainda há muito espaço para mulheres e meninas na ciência e tecnologia. Germana Barata.
- Doutoras professoras negras: o que nos dizem os indicadores oficiais. Joselina da Silva. Dossiê Educação e Diversidade Etnico-Racial. 2010.
- Menos de 3% entre docentes da pós-graduação, doutoras negras desafiam racismo na academia. Lola Ferreira.
- Mulheres negras nas Universidades: o que está por trás dos indicadores. Camilla Souza.